Obituário: Amílcar Simões

Picha

Amílcar Maria Jacinto Carvalho das Neves Simões (48 anos)

Faleceu

Natural de Venda da Gaita, Concelho de Pedrógão Grande, mudou-se aos 35 anos para Picha, no mesmo concelho, graças ao sogro que era conhecido lá em Picha pelo Biscate, que no dia do casamento lhe ofereceu uma moradia com três quartos: um com cama de casal para os noivos, os outros com camas de solteiro, destinados aos seus dois enteados pois a Dona Arlinda, mulher do Amílcar, paz à sua alma, casava-se pela terceira vez e tinha uma criança de cada um dos casamentos. Há quem diga que o segundo filho é do Amílcar, que Deus o tem, porque foi quando o Javier (segundo marido) começou a ser encornado pelo garanhão do Amílcar, descanse em paz, que ela emprenhou. Valha a verdade, o filho nem uma ponta de sangue latino tem. É português de gema. No entanto, o puto tem dislexia assim como o Amílcar, que está lá no céu.
A casa tem também duas casas de banho, cave, garagem, sótão, um quarto/anexos, um jardim muito bonito com relva e orquídeas na parte da frente e um quintal com 16 árvores, entre elas 8 laranjeiras e um curral com porcos e galinhas. O quarto/anexos acabou de ser equipado na semana passada por este grande homem de família que Deus levou com o intuito de dar um canto aos miúdos para irem à internet com o seu Magalhães (louvado seja o Sócrates) adquirido este ano. No entanto quem lá começou a estar muito tempo foi o sogro, o Biscate. Como era viúvo e não tinha nada que fazer, assim sempre se entretia do almoço até à hora do jantar, desculpando-se sempre que se distraía nas horas por causa da internet para ver se era convidado para jantar com eles. O Biscate, tinha 78 anos e apesar de não saber ligar o computador, gostava de se gabar dizendo que via lá gajas melhores do que em Picha. Era uma boa desculpa, o Amílcar, que está no céu, convidou-o quatro vezes seguidas para comer. Era um bocado burro também, mas era bom homem. Acreditava na boa vontade das pessoas e isso levou-o à sua morte. Um homem de fato e gravata passou lá em casa e convenceu o sogro para ir ter com ele ao café Central ontem às cinco da tarde e levar o dinheiro dele para colocar no banco, com a desculpa de que lhe tratava das burocracias. O Armando, amigo do Biscate e que já tinha sido enganado por um homem de fato e gravata disse logo ao Biscate que aquilo era engodo. Então o Biscate mandou o genro, paz à sua alma, para ver se o homem de fato e gravata lhe ia roubar mesmo o dinheiro ou se era amigo, porque ele tinha cara de bom homem e o Biscate acreditava que podia ser amigo. Conclusão, o Amílcar, que a sua alma descanse em paz, foi atropelado depois de estacionar o carro e faltou à reunião. Acreditou que o sogro não estava a ser enganado e morreu.
A cerimónia, só para familiares e amigos mais próximos (o cemitério era pequeno não podiam ir todos) decorreu hoje, pelas três da tarde na Igreja Nossa Senhora do Carmo e foi dos melhores funerais a que já assiti até hoje. Foi muito bonito e gostei bastante de dar cobertura jornalística a este evento. Espero que apareçam mais e melhores funerais, assim como este foi. A família e amigos apela então que compareçam na missa do sétimo dia, na próxima terça-feira, uma vez que a Igreja é maior que o cemitério e podem ir muitas mais pessoas. Segundo o senhor Padre será às sete da tarde (ou da noite, se preferirem).
Paz à alma do Amílcar.

Autor:Javardo I
Correcção: Javardo I (o II foi para o carnaval de Ovar e nunca mais veio, deixou-me pendurado a trabalhar sozinho)
Rubrica: Obituário
Edição: Nº 2
Preço: Grátis (Não fazemos dinheiro com o mal dos outros)